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quinta-feira, 15 de julho de 2010

:: Lovers On The Bridge ::



OS AMANTES DA PONT-NEUF

[Les Amants Du Pont-Neuf ou Lovers On The Bridge,
dirigido por Leos Carax. França, 1991]

Alumbramento, magia, incêndios, vidas de miséria sem rumo e muitos fogos de artifício. São alguns dos elementos que apimentam este suculento banquete cinematográfico de Leos Carax. Frente a ele não há retina que não grite "uau!". Nem há coração que fique gelado frente à desgraceira dos destinos que testemunha na tela.

Os Amantes da Ponte Neuf, recentemente lançado em DVD no Brasil pela Lume (louvada seja!), é um controverso e originalíssimo clássico do cinema francês dos anos 90 e um dos filmes mais poéticos e visualmente entorpecentes que eu já vi. Traz a magnífica Juliette Binoche, de longe uma das atrizes mais talentosas (e lindas) de sua geração, passeando magistralmente pelo écran, divina num de seus papéis mais diabólicos. É talvez a sua performance mais marcante, mais até do que as de A Liberdade é Azul (Kieslowski) ou A Viúva de Saint-Pierre (Leconte) – de deixar boquiaberto. 

Ela precisou se "enfeiar" bastante para esse filme, mais ou menos como a Charlize Theron no Monster. Mas a lindeza desta mulher é tamanha que torna-se impossível deixá-la feia mesmo com um esquadrão de sádicos maquiadores. O poder e o charme dessa atuação tão memorável vem muito mais do talento transbordante da atriz, e sua capacidade de encarnar visceralmente sua personagem, do que das transformações exteriores que ela sofreu para viver  um papel tão incomum.

Juliette é uma misteriosa pintora mendiga, meio Basquiat de saias, que fixa residência na Pont-Neuf, uma das mais famosas de Paris, e passa a viver ali junto com outros esfarrapados miseráveis. Misteriosa e solitária, a personagem de miss Binoche está progressivamente perdendo a visão, como a Selma da Björk em Dançando no Escuro. Com um misterioso e sangrento passado atrás de si, sobre o qual ela virou a página, esta artista das ruas em revolta absoluta contra o modo-de-vida pequeno-burguês vai lentamente criando um laço afetivo bizarro e indefinível com um mendigo vira-lata  de alma circense e coração punk (interpretado brilhantemente por Denis Lavand). 

O que começa como um retrato sórdido de vidas miseráveis e imundas transforma-se numa doidíssima e psicodélica história de amor, enquanto Leos Carax dá asas à sua câmera para fazer uma síntese impensavelmente brilhante entre a realidade mais crua e sofrida e a fantasia mais mágica. Se David Lynch tivesse tentado filmar na França um conto imundo de amor e dor, depois de ter usado LSD e lido André Breton, talvez o resultado soaria parecido com Os Amantes de Pont-Neuf... As “viagens visuais”, que incluem muitos fogos de artifício, cuspidores de fogo, jornadas subterrâneas pelo metrô e outras imagens altamente poéticas, são um espetáculo à parte. Eis um filme bom pra ver chapado, e que chapa quem o assistir sóbrio.

É um filme sobre o amor vivido na beira do abismo, entre duas pessoas que já ultrapassaram faz muito a linha da sanidade mental e que chegaram a uma espécie de eufórico niilismo. Parecem encarnação de um estilo de vida baseado no "when there's nothing left to burn, you must set yourself on fire!". É também um doloroso retrato de um personagem masculino que cai num estado de completa e dolorosa dependência em relação a sua amada e que fará de tudo – inclusive causar incêndios e assassinar pobres inocentes – para impedir o maior dos horrores: ser abandonado pela mocinha. 

Foi um dos filmes de orçamento mais caro da história do cinema francês (28 milhões de francos), de parto mais difícil (levou quase 3 anos pra ser finalizado) e de lançamento mais problemático (o filme é tão controverso que demorou 9 anos para ter lançamento nos Estados Unidos, e só foi lançado pelos esforços do fã Martin Scorcese). Mas tantas dificuldades valeram a pena ser transpostas pois o resultado é de encher os olhos. Pra mim, além de ser um originalíssimo experimento de cinema dionisíaco, poético até a embriaguez (o cinema transformado em droga psicodélica!), deve ser um dos 5 melhores filmes franceses que já vi - o que não é dizer pouca coisa, já que a França é com certeza um dos países mais abençoados pelo deus do Cinema... Entusiasticamente recomendado!

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