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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

:: War of the Worlds (2005), de S. Spielberg ::


Ê seu Spilga! É incrível como, mesmo no filme catástrofe mais “radical” de sua carreira, o “tio” ainda tire da sua cartola, cheia de deus ex machinas, os mais improváveis dos finais felizes! É claro que Guerra dos Mundos parece bem diferente de E.T.: mais sombrio, apocalíptico e nojentão, o blockbuster de 2005 estrelado por Tom Cruise é Spielberg, digamos, em “modo machão”. Como se ele estivesse aprendendo com as pessoas erradas (Michael Bay? Mel Gibson? James Cameron?) sobre como fazer arrasas-quarteirão no século 21.

Produzido uns três anos após o atentado do 11 de Setembro de 2001, o filme já reflete o novo zeitgeist americano: o da paranóia e do militarismo, orbitando ao redor do “fantasma” apavorante do Terrorismo. Não sei ao certo se é a mentalidade americana (amedrontada e na apreensão de uma catástrofe) que foi projetada na tela, ou se o filme é mais um produto da indústria cultural que intenta (é a Ideologia na era de Hollywood...) inculcar nas massas o pavor que Bush e seu governo precisavam para ter apoio popular para as invasões do Afeganistão e do Iraque. Todo animal amedrontado é um animal perigoso. E a América, que entrou neste século tremendo nas bases, foi ao ataque do revide propulsionada pela nóia coletiva.

E a História nos conta que Guerra dos Mundos, novela de H.G. Wells, tem altíssimo potencial de apavorar as massas. Quando Orson Welles adaptou-a para o rádio, em 1938, pela CBS, isto gerou uma histeria em massa das mais bizonhas. Conta a lenda que muita gente acreditou que era verdade --- que a radio-novela era na real um noticiário... --- e correu buscar refúgio contra a Invasão Alienígena Mortífera que estava em curso. E me parece muito interessante que Guerra dos Mundos, que já havia provado seu imenso potencial de apavoramento coletivo na década de 30, às vésperas da 2a Guerra Mundial, retorne em versão recauchutada, lotada de efeitos especiais estrondosos e com a direção do cineasta comercialmente mais bem sucedido da história do cinema justo em outro momento em que a Paranóia era o sentimento dominante na América --- que ainda chorava sobre os escombros do World Trade Center.

Claro que isto é “só” um filme de ficção científica, o que para alguns significa que ele não precisa se reportar à realidade nem tem dever de verossimilhança. É só a imaginação humana going wild. Nada mais a interpretar ou refletir.

Eu já não acho. A situação política do país e do planeta onde foram produzidos fica sugestionado de modo muito rico em muitas das mais clássicas obras do sci-fi. Stalker é a cara da Rússia na era da Corrida Espacial contra os americanos, na época da Guerra Fria, com Tarkovsky dando uma “aula” de cabecice e existencialismo contra a pipoquice do país da Coca-Cola e do Mickey. E.T. é uma descrição apurada do otimismo e do bom-humor dos EUA que entravam nos anos 80 como única superpotência mundial e um presidente saído direto da fábrica de sonhos de Hollywood (Ronald Reagan). E 2001 eu sinto como efeito da psicodelia dos anos 60, lisérgica e mística, chovendo de Frisco e Woodstock sobre a ousada mente criadora de Stanley Kubrick...

Guerra dos Mundos, coitado, acabou sendo a cara do Bush, o Júnior. E isso não é coisa boa de se ser. Uma das primeiras coisas que a menininha bonitinha do filme (uma tentativa de revelar uma nova Drew Barrimore?) pergunta-se, ao testemunhar a destruição, é: “são os terroristas?” E o filho adolescente, também apostando nesta opção, pergunta: “Eles vem da Europa?”

Ingênuos! Na real os pobrezinhos dos humanos (que, pelo menos no filme, nada fizeram para merecer a catástrofe...) estão sob ataque, mas logo percebe-se que não se trata de terroristas afegãos ou a chegada da bomba atômica xiita made-in-Iran: estes novos terroristas não são terráqueos. Mas são terroristas super-poderosos, extremamente malévolos e gélidos, que vieram menos para brigar do que para nos exterminar. Algo como uma raça de mega-robôs do Bin Laden que viria para nos fulminar em massa. Sintomático ou não?


Daria até pra dizer que a fantasia do alienígena misantrópico e destruidor é mais verossímil que a do E.T.zinho gente-boa. Considerada a história humana recente - penso em Auschwitz, Dresden, Hiroxima... - que razão teria outra raça, superior à nossa em inteligência, consciência e tecnologia, nos tratar com mais respeito do que hoje votados às vacas e às galinhas?

A América de E.T. era a América da casa luxuosa e sem grades, da alegria do disk-pizza e da geladeira cheia de latinhas, da magia hollywoodiana que conquistava até o terno alienígena (que se comove com um beijo-na-boca, daqueles de musical algodão-doce). E.T. é a pura ternura de quem crê num contato harmonioso e mutuamente proveitoso para as raças em contato. Já a América de Guerra dos Mundos é a América dos escombros, dos terremotos, de gosma feita de vísceras humanas espalhada pelas ruas, dos prédios vindo abaixo subitamente, numa hecatombe digna de Guerra Mundial. Sinal dos tempos ou não?

Mas uma coisa que o Steven Spielberg não tem talento para ser é um apocalíptico. Este profeta da esperança e da edificação moral deseja sempre oferecer à humanidade uma luz no fim do túnel ou um luminoso exemplo de bondade, mesmo quando se trata do Holocausto. A Lista de Schindler: um grão de humanidade num oceano de selvagem brutalidade! E jamais Spielberg teria a manha de finalizar um filme seu como Kubrick fez em Doutor Fantástico. Ou seja: com uma risada diabólica.

Não estou fazendo, com isso, nenhuma hierarquia de valor entre os dois: que cada um escolha o que prefere, de acordo com seus pendores. Os mais sarcásticos e pessimistas talvez se achem mais em casa na visão kubrikiana sobre o futuro humano; os que querem conservar a crença no progresso e na redenção final da História certamente vão se sentir melhor ninados pela arte de Spielberg.

Decerto que Spielberg aparece menos ingênuo em Guerra dos Mundos, descrevendo com os costumeiros efeitos especiais fantásticos e narrativa cativante um cenário de destruição que parece gratuita. É esta “gratuidade” que deixa o filme soando quase como um filme de terror, aparentado por vezes com o Extermínio de Danny Boyle ou o Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles. Aqui, o mal é feito sem que se explique suas razões: desce com todo o seu peso de absurdidade, reduzindo a pó séculos de cultura humana.

Mas, como era de se esperar de Spielberg, há um “twist” miraculoso no final em que a Terra é salva e a humanidade escapa (por um triz) da extinção. Perdão pelo spoiler, mas quem é que esperava algo diferente? Se Steven Spielberg tivesse destruído o mundo isto certamente teria dado umas manchetes bem mais bombásticas! E Guerra dos Mundos acabou não sendo nada muito além de “blockbuster do verão”. Dentre os filmes do diretor na década, é bem menos relevante que um Munique, um Minority Report ou um I.A. - Inteligência Artificial.

Mas, se até a francesada da Cahiers of Cinema o colocou entre os 10 melhores filmes do ano de 2005, é que aí tem algo. Minha sugestão é que aquilo que faz o interesse de Guerra dos Mundos é justamente o reflexo que o filme contém da “nóia terrorista” pós 11/9, juntamente com uma certa “heroicização” da classe militar e um certo flerte com um darwinismo salvacionista de gosto muito duvidoso. É "o" sci-fi da era Bush. E talvez a melhor coisa a se fazer com esta era, como um todo, além de enterrá-la e fazer de tudo para que não retorne, é criticá-la e ridicularizá-la pelo seu excesso de seriedade, pela truculência de suas reações psicóticas e pela dramaticidade lunática de seus pavores.

Um comentário:

  1. Parece que não deu certo a "heroicização" da classe militar.
    Jefhcardoso do
    http://jefhcardoso.blogspot.com

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