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domingo, 13 de fevereiro de 2011

<<< O Perigoso Adeus (The Long Goodbye), Robert Altman (1973) >>>


                               por Du Pitomba

Alguns críticos de cinema, tateando no quarto escuro de suas idéias, tentaram entender o que se atinava no desfecho da década de setenta, quando o público começava a sorver drinks infantilóides em roupagens de superproduções como “Guerra nas Estrelas”. Arriscaram o diagnóstico: a sessão das obras de certos cineastas, então no auge de suas pesquisas de prosadores visuais, davam a mesma sensação de incômodo que aftas pululando o céu da boca. Estavam exigindo demais da plebe consumidora dos sonhos em tela larga. 

Robert Altman em representação
de um artista no DevianArt
Entre os participantes dessa maçonaria amarga está Robert Altman, dono de rebanho indócil de obras. E, estourando todas as cercas possíveis, encontra-se o insolente “O Perigoso Adeus” (1973), que muita gente na época viu e escreveu no mármore como se fosse apenas uma gozação do noir. Pode-se dizer que é um filme sobre a impossibilidade de se orquestrar a atmosfera noir ante a vulgaridade setentista.

A única coisa levemente preservada por Altman é o núcleo base de personagens desse tipo de universo: detetive e mulher ambígua. Phillip Marlowe (Elliot Gould) dá carona para amigo suspeito e nisso se enrosca com o departamento policial e o submundo do crime. Toda a longa sequência que vai da abordagem até o pagamento de sua fiança é um verdadeiro show de horrores que apequena uma figura mítica não só do catálogo do cinema americano como da livre empresa cosmopolita e possivelmente charmosa: o detetive particular. Charme é a última coisa a se pensar, tendo em vista o total descaso com a personagem. Cai no chão sem ter tragado nada; fica com a cara suja de tinta da impressão digital e divide a cela com marginal segurando rolo de papel higiênico.

Atentando para a facilidade sanguínea de Altman em esculpir vidas bizarras, às vezes ficamos pensando como seria se encarasse seriamente o noir. Mas como grande diretor que é, consegue escancarar ainda mais as estranhezas na válvula do humor. Starling Hayden barbudo e de voz trovejante, atira toda a desordem mental de médico que passa por um recall numa clínica pra lá de suspeita. Sobra também para figuras secundárias, no caso, quase terciárias: as vizinhas de condomínio de Gould, moças praticantes do budismo mesclado em topless. Como nos anos setenta já não há mais espaço para fêmeas colossais em quilos de laquê a lá Veronica Lake, contenta-se com pós-gencianas vendedoras de incenso e velas, preocupadas mais com o sexo dos anjos do que o sexo terrestre.

A canção-tema “The Long Goodbye”, composta por um dos mais habilidosos cirurgiões de Standards, Jhonny Mercer, é praticamente chutada de lado a outro, aceitando outras texturas rítmicas, como a versão instrumental de cucaracha. Esse deslocamento sonoro serve para Altman rasgar um dos mais sadios cartões de visitas das trilhas do passado, que era abrilhantar semi-deuses vistos em cenários que comportavam cigarros intermináveis e cadáveres mentais. O pianista-emblema está cantando para si mesmo, portando-se como eterno animador e regente de calouros que faz bico em TV. Sinal dos tempos.

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